16/02/2021

Hora de dizer adeus

 

Imagem: Reprodução/Internet.

    Hoje finalmente consegui escrever aqui. Este texto pode ser considerado uma carta de despedida. Depois de muito pensar e colocar as "cartas na mesa", eu decidi encerrar as atividades deste blog. Não foi uma decisão fácil,  mas foi preciso fazer o que tinha de ser feito. Foi bom enquanto durou e agora é hora de encerrar um novo ciclo. Bem, na verdade esse ciclo já estava encerrado, ele só precisava do ponto final, que está sendo dado neste exato momento. Quando fiz esse blog, em 2009, eu não sabia ao certo o que estava fazendo. Foi praticamente uma coisa do momento, uma vez que naquele tempo os blogs estavam em alta e de tanto ouvir sobre, resolvi fazer um para mim também. Particularmente, eu vejo que fui amadurecendo enquanto escrevia aqui. Conforme o tempo ia passando, os textos, antes superficiais, iam se tornando mais longos e densos. Isso foi fruto de muito aprendizado da minha parte, que aprendi na prática que, para o blog ter um mínimo de visibilidade, ele deveria ter textos originais e bem escritos.

    Em 2012, deixei o blog de lado porque tinha outras obrigações que eu precisava cumprir naquele momento. Em 2015, a saudade bateu, revi minhas prioridades e resolvi voltar a escrever aqui. Continuei escrevendo até 2018, quando decidi tentar o mestrado em História, exigindo que eu parasse de escrever aqui, pelo menos naquele momento. Na minha inocência, achei que depois do processo seletivo, mesmo eu tendo sido classificado, eu conseguiria voltar a escrever aqui. Entretanto, na prática foi outra história. O mestrado é exigente, a pessoa tem que cursar disciplinas que na prática valem por quatro, passar as férias escolares fazendo os trabalhos das disciplinas, fazer relatório de bolsas (no caso de bolsistas), escrever uma dissertação que deve ter no mínimo 90 páginas e defendê-la perante uma banca composta por quatro professores extremamente exigentes. Ou seja: não consegui voltar a escrever no blog, como era meu projeto inicial. 

    Aprendi com o tempo que na vida os ciclos se abrem e também se fecham. Aprendi também que novos planos são formados e, para a execução dos mesmos, outros terão de ser deixados de lado. Agradeço de coração a cada um que leu, comentou e compartilhou os meus textos. Agradeço também aos leitores de várias partes do mundo e de praticamente todos os continentes que visitaram meu blog. Foi muito bom estar com vocês!!!


Obs.: não pensem que eu estou abandonando vocês. Quem quiser continuar me acompanhando, eu estou no Facebook, no Twitter e também no Instagram. Sigam-me os bons!

28/05/2019

Maxi López e o machismo no futebol

Maxi López quando quando jogava pelo Vasco da Gama. Imagem: Reprodução.


     Que o futebol é um esporte machista, disso todo mundo já está cansado de saber, embora poucos são os que lutam para mudar este fato. Entretanto, o texto de hoje eu vou analisar o machismo no caso específico do jogador de futebol Maxi López.
      O futebol é um esporte machista e isso não é culpa do esporte: é da sociedade, o futebol apenas reflete isso. Este fato acontece porque ainda impera na mentalidade da maioria da população a ideia de que o futebol, assim como qualquer outra atividade esportiva, não condiz com a "natureza frágil" do sexo feminino. Desta forma, os homens e as suas respectivas masculinidades reinam no futebol. Neste contexto, as mulheres acabam sendo diminuídas, ridicularizadas, transformadas em símbolos sexuais ou até mesmo servindo como meros e belos enfeites para seus maridos futebolistas, que em alguns casos (embora possa parecer, não é todo jogador que tem um salário astronômico, muito pelo contrário) ganham altos salários, possuem carros e residências caríssimas.
     Vamos fazer um exercício rápido e desde já peço perdão pelas palavras de baixo escalão a serem escritas aqui. Quando se quer xingar uma mulher, quais são os palavrões mais comuns? Puta, piranha, galinha, prostituta, vagabunda e por aí vai. Não é preciso dizer que todos estes palavrões são usados para ferir a honra de uma mulher. Agora, quando se quer xingar os homens, os termos mais comuns são: corno, chifrudo, filho da puta e suas variantes e até mesmo viado, caso o homem alvo do xingamento seja homossexual ou cuja sexualidade está sob suspeita. Vocês perceberam? Até quando se quer xingar um homem, no final, quem está sendo xingada é a mulher. Vou destrinchar para vocês. Vamos aos xingamentos referentes aos homens que citei aqui. Quando se chama um homem de filho da puta, na verdade, se está xingando a mãe dele, a quem você chama de puta. Quando você chama um homem de corno ou chifrudo, na verdade o que está sendo feito é colocar em xeque a fidelidade da esposa do homem xingado. Entre os xingamentos escritos neste texto, o único que fere diretamente o homem é o viado, onde o autor da ofensa está colocando em xeque a sexualidade de uma pessoa, dizendo de forma pejorativa que o homem é homossexual, algo que atinge a masculinidade com ferida de morte. O homem só é xingado diretamente quando chamado de viado, como já falei aqui, ou quando ele é negro. Nos demais casos querem xingar o homem, mas a vítima da ofensa mesmo é a mulher.

Da esquerda para a direita: Mauro Icardi, Wanda Nara e Maxi López. Wanda Nara traiu Maxi com Mauro, então amigo do jogador. Mauro e Wanda se casaram, têm dos filhos e estão juntos até hoje. Imagem: Reprodução.


     A situação acima é vivida por Maxi López. Antes de dar continuidade a este texto, para quem ainda não sabe, Wanda Nara, então esposa de Maxi, se envolveu com Icardi quando ainda era casada com o ex-jogador do Vasco. Este fato teve repercussão global e até hoje é lembrado, chegando a ser considerado o maior e mais polêmico caso de adultério do futebol mundial. Por conta disso, dentro (e também fora) de campo Maxi é constantemente xingado de corno/chifrudo e/ou é alvo de alguma provocação que lembre o adultério em questão. Tais ações costumam ocorrer por parte de torcidas rivais do Vasco, até então clube de Maxi, como forma de provocação ou quando o jogador tem um desempenho abaixo do esperado em um jogo. Como Maxi López não é negro, a alternativa que resta é xingá-lo, ou melhor: xingar sua ex-esposa.

Conclusão

     Mesmo não sendo brasileiro, Maxi López é um reflexo desta sociedade machista e também racista que é a sociedade brasileira. Machista porque a mulher é reduzida a um tal grau de inferioridade e repulsa, que até quando se quer xingar um homem, quem de fato recebe o xingamento é a mulher. E racista porque, dentre outras coisas, quando o homem é negro, o xingamento (de teor racista) é direcionado ao homem e não à sua companheira. 

14/05/2019

Eurico Miranda: um reflexo da sociedade brasileira

Eurico Miranda (1944 - 2019) com a Cruz de Malta, símbolo do Vasco, ao fundo. Eurico não é uma figura unânime entre torcedores e não torcedores do Vasco da Gama. Imagem: Reprodução.

     A dualidade bem ou mal definitivamente não serve para definir Eurico Miranda (1944 - 2019), se é que a mesma serve para definir alguém. Uns o amam e outros o odeiam e em tempos em que o clube Vasco da Gama corre o real risco de rebaixamento, os saudosos da gestão Eurico Miranda (1944 - 2019) têm sentido saudades dos tempos em que o mesmo era vice de futebol do clube e depois presidente do mesmo.
     Descendente de portugueses, Eurico Miranda (1944 - 2019) era filho de portugueses que vieram para o Brasil a fim de escapar do regime de Antônio Salazar (1889 - 1970). Foi criado na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, área nobre da cidade e estudou no colégio Santo Inácio, tradicionalmente frequentado por parte da elite carioca. Entretanto, foi convidado a se retirar do mesmo por conta de constantes brigas e por ir à escola com a blusa do Vasco por cima do uniforme, o que era proibido. Curiosamente, Eurico nunca foi visto usando a camisa do time. Cursou Fisioterapia e também Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - Rio). 
   Foi nos tempos em que era estudante da PUC que Eurico passou a exercer atividades administrativas e políticas no Vasco da Gama. Foi Diretor de Cadastro em 1967, Vice-presidente de Patrimônio em 1969, foi assessor especial de Alberto Pires Ribeiro em 1980 quando este se torna presidente do Vasco e representante do clube na FERJ (Federeração de Futebol do Estado do Rio de Janeiro). Em 1988, Eurico aceitou o pedido do então presidente do Vasco Antônio Soares Calçada para assumir a vice-presidência de futebol do Vasco da Gama. Era o início de um período glorioso na história do clube, não só, mas principalmente no futebol. Com Eurico, o vasco conquistou o Campeonato Brasileiro de 1997, a Taça Libertadores da América de 1998, a Copa João Havelange de 2000 e a Copa Mercosul de 2000. 

Da esq. para a dir.: Nelson, Pedrinho e Donizete comemoram o título da Libertadores da América de 1998. Imagem: Agência Getty Images.

     Por volta dos anos 2000 e com o imenso prestígio alcançado quando exercia o cargo de vice-presidente de futebol do Vasco, Eurico é eleito presidente do Vasco após inúmeras tentativas fracassadas e depois de haver tentado pela última vez 14 anos antes. Foi reeleito em 2003 e chegou a dizer que seria a última vez que presidiria o clube de coração, mas voltou atrás e se candidataria outras vezes. Eurico parecia gostar do poder. Aliás, quem não gosta? A partir de seu segundo mandato, a imagem de prestígio que Eurico havia construído durante décadas de atuação no Vasco começou a ruir e nas eleições para o mandato de 2007 - 2009, derrotou o ídolo do clube Roberto Dinamite no pleito, mas foi acusado de compra de votos e adulteração do resultado das eleições. Após muitas barreiras colocadas por Eurico, a eleição foi impugnada e um novo pleito foi realizado, onde o candidato indicado por Eurico (o mesmo havia se recusado a se candidatar novamente) perdeu as eleições. Eurico Miranda (1944 - 2019) tentou fraudar as eleições no Vasco pelo menos uma vez mais. Em 2017, o então mandatário cruz-maltino chegou a ser intimado a depor em uma delegacia por suspeita de fraude nas eleições presidenciais do Vasco. E vale dizer que, se Eurico fez  um excelente trabalho enquanto vice de futebol, o mesmo não se pode dizer enquanto presidente do clube. O Vasco da Gama foi rebaixado duas vezes com a participação direta de Eurico. 
     Eurico Miranda (1944 - 2019) tentou assumir a presidência do Vasco inúmeras vezes e tentou permanecer no cargo outras tantas, mesmo que para isso tivesse que recorrer a meios ilegais. Esta prática nos remete ao patrimonialismo, prática histórica no Brasil e que consiste em um Estado que não possui distinções entre os limites do público e do privado. Ao tentar se reeleger tantas e tantas vezes no Vasco, Eurico tratou o clube, um bem público, como algo particular da qual pudesse lucrar com isso. E aqui vale citar que Eurico esteve envolto em irregularidades muitas vezes ao longo da vida e em algumas delas envolviam o Vasco. Além das tentativas fraudulentas de tentar ser presidente, Eurico Miranda (1944 - 2019) foi acusado em pelo menos duas vezes de desviar recursos do Vasco da Gama. Em julho de 2002, o jornal carioca Extra afirmou que Eurico havia desviado R$ 20 milhões das finanças do Vasco. Eurico se sentiu difamado pela notícia e o caso foi para a Justiça, mas o então mandatário cruz-maltino perdeu o processo e foi obrigado a pagar os custos do processo e os honorários dos advogados. Em 2007, houve uma investigação a fim de averiguar se houve desvio de dinheiro na venda do então jogador Paulo Miranda ao clube francês Bordeaux no ano de 2001. Logbi Henouda, empresário que participou da negociação, afirmou que o time francês pagou US$ 5, 94 milhões pelo jogador, mas que Eurico Miranda teria declarado apenas R$ 2 milhões. 
      Além de exercer o patrimonialismo com relação ao Vasco da Gama, Eurico agiu como se o clube fosse uma capitania hereditária, ou seja: uma propriedade particular passada aos descendentes. Durante um tempo, Eurico Miranda (1944 - 2019) preparou o terreno para que o filho Eurico Brandão, conhecido também como Euriquinho, o sucedesse no Vasco. Isso vinha acontecendo pelo menos desde 2015, quando o site do jornal O Globo publicou algumas reportagens sobre a atuação de Euriquinho no Vasco sob o aval do pai, bem como o mal-estar causado por isso; e em 2016 Eurico e o filho atuaram em conjunto nas decisões do departamento de futebol, onde a palavra final sempre ficava com o então mandatário. Atualmente, Euriquinho é vice de futebol do Vasco da Gama. 

Euriquinho, atual vice de futebol do Vasco da Gama, em conversa com o pai. Imagem: Rafael Moraes/ Agência O Globo. 

Conclusão

     Eurico Miranda (1944 - 2019) foi um reflexo da sociedade brasileira com relação ao Vasco da Gama ao reproduzir práticas históricas no Brasil como o patrimonialismo e as extintas capitanias hereditárias. Patrimonialismo porque usou de um bem público (o Vasco da Gama) para benefícios pessoais e capitania hereditária porque tratou o Vasco como um bem pessoal que pode ser passado de geração para geração. E com relação a atuação de Eurico Miranda (1944 - 2019) no Vasco da Gama, como vice-presidente de futebol e depois como presidente, era será lembrado como o homem que conduziu o time ao maior período de glória de todo a história do Vasco; como também o homem que levou o Vasco a dois rebaixamentos, que foi acusado de roubar o clube e cometer outras irregularidades com relação ao mesmo, bem como por indicar o próprio filho para o suceder no Vasco da Gama.

12/04/2019

Brasil: o país que não puniu os responsáveis pelo Golpe de 1964 e que hoje paga o preço por causa disso

Os presidentes militares que governaram o país durante a ditadura. Da esquerda para a direita: Castelo Branco (1964 - 1967), Costa e Silva (1967 - 1969), Médici (1969 - 1974), Geisel (1974 - 1979) e Figueiredo (1979 - 1985). Imagem: Reprodução.



     O Golpe de 1964 mergulhou o Brasil em uma ditadura que só findou em 1985. O golpe foi executado por militares e apoiado por alguns setores da sociedade civil. Neste período houve violações contra os direitos humanos, mas ninguém foi punido por isso. E hoje pagamos o preço por conta deste fato: políticos e cidadãos relativizando um período tão delicado e pessoas pedindo a volta da ditadura.
      Uma ditadura civil-militar foi imposta em 1964 pelos militares junto com parte da sociedade civil (membros da elite, classe média, alguns setores do catolicismo e também do protestantismo). O argumento para tal ato era uma suposta ameaça comunista. Suposta porque não havia uma ameaça real. O partido comunista existia, mas estava longe de chegar ao poder e João Goulart (1918 - 1976) estava longe de ser um comunista. Ele defendia reformas estruturais (reforma agrária e urbana por exemplo), mas não a queda da estrutura propriamente dita. Entretanto, isso foi mais que o suficiente para a deposição de Jango, apelido de João Goulart (1918 - 1976). Vale lembrar que a polarização naquela época era muito acirrada (não muito diferente dos dias de hoje) por conta da Guerra Fria (1945 - 1991). Desta forma, qualquer ato podia ser interpretado como de esquerda ou direita. 
      Uma das características deste regime ditatorial foi a censura e a perseguição ferrenha a opositores políticos. Estas perseguições incluíam torturas e execuções. Tais atos são injustificáveis, independente de a vitima ter cometido um crime ou não. No mesmo período em que o Brasil vivia um regime ditatorial, outros países da América Latina viviam experiência semelhante. E, apesar de possíveis falhas, pode-se dizer que há um esforço para impedir que tal período se repita. Em outubro de 2018, o Exército Chileno colocou na reserva o coronel Germán Villarroel, que dirigia a Escola Militar do país. O motivo de tal ato foi o fato de Germán homenagear nas dependências da instituição o genocida Miguel Krassnoff Martchenko, que cumpre pena por ter cometido 7 crimes contra a humanidade durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973 - 1990). Em 2017, a Argentina condenou 48 ex-militares por 'voôs da morte' e outros crimes cometidos durante a ditadura argentina (1976 - 1983). O 'voô da morte' consistia em jogar de aviões opositores políticos em pleno ar. 


Hitler é saudado com a conhecida saudação ao führer. Fazer isso hoje é crime na Alemanha. Imagem: Reprodução.


      Mas e a liberdade de expressão, onde fica? Pode parecer contraditório, mas a tolerância deve ser intolerante com a intolerância. Na Alemanha, após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) e a respectiva queda do regime nazista, os responsáveis pela manutenção deste regime foram punidos ao longo dos anos. Além disso, qualquer manifestação de apoio a Hitler (1889 - 1945) e/ou ao regime nazista de maneira geral é crime. Reproduzir a suástica sem ser em sala de aula e para fins educativos, bem como fazer o gesto de saudação ao führer (líder em alemão) por exemplo são atitudes proibidas em território alemão e passíveis de punição. 
     O Brasil parece andar na contramão se comparado ao que os outros países do mundo fizeram com os responsáveis pela manutenção de regimes autoritários e/ou totalitários. Nenhum responsável pela ditadura foi preso e a Comissão da Verdade, que tinha o propósito de investigar as violações de direitos humanos entre os anos de 1946 e 1988, foi fundada em novembro de 2011, mais de duas décadas e meia depois do fim da ditadura. Com isso, uma quantidade incalculável de documentos que denunciavam tais violações se perderam (ou foram perdidos propositalmente) e os autores de tais crimes já estavam mortos em sua maioria ou estavam idosos demais para ir para a prisão. 
      Além disso, manifestações favoráveis a este período tenebroso da história do país nunca foram passíveis de punição. Isso explica em parte as manifestações pedindo o retorno dos militares ao poder e a eleição de Jair Bolsonaro. O atual Presidente da República é saudoso da ditadura, chegando ao ponto de dizer que o erro da ditadura foi torturar e não matar; e tem por ídolo pelo menos duas figuras deste período: o coronel Brilhante Ustra (1932- 2015) e o paraguaio Alfredo Stroessner (1912 - 2006). O primeiro foi um torturador que tinha por hábito colocar ratos e baratas dentro da vagina das mulheres. Já o segundo chegou ao poder no Paraguai por meio de um golpe de Estado em 1954. O ditador se manteve no poder por mais de 30 anos e neste mesmo período mais de 18 mil pessoas foram torturadas, 400 executadas ou desapareceram no período do stroessnismo. Além disso, o documentário Calle de Silencio (2017) mostrou que o ditador também era pedófilo. As vítimas dos abusos relataram, depois de 30 anos da queda do regime, como eram retiradas do interior do Paraguai para servir ao ditador. 

Sarney, ao centro com a mão estendida, toma posse como Presidente da República, em 1985. Ironicamente, o primeiro presidente depois de um longo período ditatorial se beneficiou bastante da ditadura. Imagem: Acervo O Globo.


      Para entender o motivo de situações como as descritas no parágrafo anterior terem acontecido, é preciso entender o processo que resultou no fim da ditadura e no retorno da democracia. O fim da ditadura foi feito por cima, organizado por aqueles que estavam no poder. Após o fim do milagre econômico (1969 - 1973), período de euforia sobretudo no campo econômico, a ditadura mostrou os primeiros sinais de desgaste. Percebendo que o começo do fim havia começado, foi iniciada a chamada "abertura lenta e gradual". Eles iriam sair do poder aos poucos, mas não sairiam dessa prejudicados. Isso explica o fato de ninguém jamais ter sido punido, de a Comissão da Verdade ter saído tão tarde e de o primeiro presidente do pós-ditadura , José Sarney, ter sido "cria" da ditadura. Vale lembrar que Fernando Collor, eleito Presidente da República pelo voto direto (Sarney foi eleito por um colégio eleitoral), também é "cria" da ditadura. 
      Collor e Sarney fizeram parte do ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido que dava sustentação política a ditadura. Aliás, vários políticos que ainda estão no cenário político brasileiro fizeram suas carreiras apoiados na ditadura, mas isso é assunto para outro texto.


Conclusão


      O Brasil não puniu os responsáveis pelo Golpe de 1964 e é por isso que há pessoas que defendem a volta da ditadura e relativizam as violações de direitos humanos ocorridas no período por exemplo. É tarde para punir os responsáveis pela ditadura, mas não é tarde para criar leis para coibir os seus vestígios. 

28/02/2019

Entrevista com Tiago Crispim Salvador - 2

Tiago Crispim Salvador, o entrevistado do mês de fevereiro do blog A Hora. Imagem: Reprodução Facebook.

      Enfim, o blog A Hora exibe a primeira entrevista do ano. O entrevistado é Tiago Crispim Salvador, que já foi entrevistado pelo blog em outro momento (veja aqui). Graduado em História pela Universidade Estácio de Sá, graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestrando em Ciências Sociais pela mesma universidade, Tiago ama a história da cidade e também do estado do Rio de Janeiro. Porém, o foco dos estudos de Tiago não é o que todo mundo já estuda: as ruas do centro da cidade do RJ e/ou os bairros nobres da cidade carioca. O Rio de Janeiro que Tiago gosta de estudar é o Rio que quase ou nunca aparece nos livros: a formação das favelas, os habitantes nativos e os bairros da Zona Oeste da cidade. Morador do Morro do São Carlos, de onde se pode ver parte da Baía de Guanabara, o Morro da Providência, o centro da cidade, o Morro de Santa Tereza, o Cristo Redentor, o castelo da FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz), a Igreja da Penha e até o Aeroporto Internacional Tom Jobim, que fica na Ilha do Governador; Tiago recebeu o blog A Hora em sua casa para uma prazerosa e enriquecedora entrevista. Confira:

1 - Quando e como começou a estudar a história da cidade e do estado do Rio de Janeiro?

Tiago Crispim Salvador: Eu sempre tive um interesse muito grande nos estudos fluminense, que são os estudos do Rio de Janeiro e isso é algo desde criança. Eu nem sonhava em fazer História, estava no Ensino Fundamental e este interesse por descobrir cada canto do Rio já existia. É interessante porque eu tinha este interesse através das linhas de ônibus da cidade. Eu comecei a me interessar pelo Rio de Janeiro desde que eu tinha uns 6, 7 anos de idade através dos nomes dos bairros e dos itinerários.
Meu avô foi motorista de ônibus e meu tio é mecânico de ônibus. Então, eu sempre fui de ir detalhando capa pedacinho desta cidade através dos coletivos. Eu tive uma revistinha onde havia os ônibus da antiga CTC (Companhia de Transportes Coletivos), que era estatal e dos rodoviários do Rio de Janeiro. E eu ficava lendo esta revista, era quase a minha primeira alfabetização. Uma vez eu levei uma baita surra porque eu matava aulas para andar de ônibus (risos). Eu tive uma atração muito forte pelo Rio de Janeiro, o que fez com que eu circulasse pela cidade atrás desses itinerários e de uma certa forma eu fui conhecendo não só o Rio, mas as suas regiões metropolitanas, como a Baixada Fluminense e Niterói por exemplo e eu fui desvendando esta cidade. E daí eu passei a estudar cada vez mais a história da cidade. A minha família e os meus amigos, quando querem ir a algum lugar, eles me perguntam porque sabem que eu conheço os bairros da cidade. Mesmo com a mudança de consórcios, fruto da gestão dos prefeitos, eu tenho essa facilidade de mapear a cidade através desses itinerários.

2 - Como era o estado do Rio de Janeiro na época em que os portugueses chegaram ao estado pela primeira vez?

TCS: Não se pensava em um estado do Rio de Janeiro. Era um grande litoral povoado por indígenas. Não se tinha desbravado ainda o que a gente chama de sertão. Vale lembrar que não é sertão no sentido geográfico, mas no sentido simbólico, que permeia não só o Rio de Janeiro, mas toda a história do Brasil. E esse contato primário que se tinha era com a aldeia de Uruçu-Mirim, no território onde hoje em dia é a praia do Flamengo. Então, você tinha essa predominância de habitantes nativos que mais tarde foram chamados de tupis e tamoios. Naquela região da Glória e Flamengo, onde é a Rua do Catete, corria um rio que era um dos braços do Rio Carioca, tinha uma tribo indígena. Então, você tinha esses conjuntos de tribos indígenas.
A Ilha do Governador era um espaço indígena e o Araribóia, que depois dá nome a uma estação das barcas em Niterói, sai dali por causa de guerras que existia entre as tribos indígenas. Ele sai e se refugia onde hoje é o estado do Espírito Santo e depois, na guerra entre portugueses e franceses, onde cada tribo indígena tomou de certa forma um lado, ele consegue voltar para a Ilha do Governador. Porém, não se interessando em ficar lá, ele ganha essa sesmaria onde hoje é a cidade de Niterói. Tem um livro muito bom chamado O Rio Antes do Rio: a Guanabara Tupinambá e suas aldeias ancestrais, a história do primeiro carioca e dos exploradores, conquistadores e moradores que marcaram a fundação do Rio de Janeiro (2016), de Rafael Freitas da Silva, que conta esse passado do Rio. Outro livro muito bom que recomendo para quem quer aprender a história do Rio de Janeiro é A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: o resgate da sua memória (2004), de Helio Suêvo Rodrigues. É um Rio do fim do século XIX. Estas são as referências básicas que vai de certa forma analisar o resultado desse contato entre o português e os indígenas. E esse contato, é válido sempre dizer, foi marcado pelo etnocentrismo. 

3 - No Pré-vestibular do São Carlos (PREVESC), onde você dá aulas e é um dos coordenadores do curso, há a disciplina História Social do Rio de Janeiro, que é ministrada por você. Qual a importância desta disciplina?

TCS: Antes de eu falar da importância, eu gostaria de falar das dificuldades. Quando eu comecei a organizar o PREVESC junto com mais algumas pessoas e a organizar as disciplinas, houve dilemas com relação a isso. Eu sou de História e Ciências Sociais. Colocar esta disciplina em um curso pré-vestibular choca-se com o objetivo de um propósito, que é a aprovação em uma universidade. E isso requer, de uma certa forma, um redirecionamento para um currículo mínimo que o vestibular vai exigir com um ordenado de matérias específicas. E onde entra o Rio de Janeiro nisso? Alguns acusaram de ser uma pegada mais academicista e a gente pode até discutir isso (risos). Só que alguns vestibulares requer esse conhecimento prévio do Rio, principalmente se for um vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A UERJ pressupõe que você saiba minimamente a história da sua cidade. Mas não só nos aspectos cronológicos: também nos aspectos políticos e culturais. Então, há a necessidade desta disciplina.
O PREVESC fica no Morro do São Carlos, que por sua vez está em uma área central, e é histórico. Então, isso tem um diferencial, até pelo reconhecimento do aluno com o território nas demandas que ele vai ter que aprender pra vida, até no nível mais rudimentar, de você se preparar para um vestibular e a universidade querer que você saiba coisas mínimas no aspecto de sua cidade. Isso é cobrado em provas específicas de humanas, mas perpassa de uma forma geral todas as disciplinas. E como é um pré-vestibular social, o meu interesse é fazer com que os alunos conheçam não só a história do Rio colonial, do centro da cidade, da Zona Sul; mas discutir e problematizar os outros aspectos das áreas metropolitanas do Rio. A importância crucial que essas micro-regiões tinham para o abastecimento da cidade, para a defesa, para tudo. Então, a gente tem que problematizar a memória social destes espaços. A história, como dizia Walter Benjamin (1892 - 1940), é contada a partir da ótica dos vencedores. Os chamados vencidos têm sempre a voz apagada. Então, a história é feita de ausências. Desta forma, colocar a ausência e a memória destes espaços dentro desse repertório disciplinar é uma luta e tanto. 

4 - Você sempre frisa que o nome da disciplina que ministra é História SOCIAL do Rio de Janeiro. Por que o ênfase no social?

TCS: Como eu falei acima, eu queria fugir da História scrito sensu. Eu queria uma pegada interdisciplinar e isso está relacionado à minha formação, que sou historiador e graduando e mestrando em Ciências Sociais. O objetivo é trabalhar essas ausências históricas. Porque não problematiza a riqueza cultural e social da Baixada? Pelo fato de ali haver um dos caminhos reais,  onde hoje é a Avenida Automóvel Clube, vilas eram construídas. Além disso, tem também a questão dos rios na ligação do espaço e tem uma questão social por causa dos mesmos. É justamente por isso que o social não pode estar dissociado. Porque esses rios viraram valões? Quem passa na Linha Vermelha e sente aquele cheiro insuportável vai imaginar a história de riqueza e grandiosidade que foi o Rio Meriti? Porque aqueles rios viraram valões? Qual o significado da palavra valão? E porquê está associado aqueles espaços? Há estereótipos de valões na Zona Sul, mas não são vistos assim. Porque a Zona Oeste e a periferia não têm tanta evidência nesta produção de conhecimento historiográfico. Além do meu olhar histórico, tem essa pegada social. E eu pego muito no pé com relação a isso. Não é História do Rio de Janeiro: é História Social do Rio de Janeiro. 

5 - Um trajeto que você gosta de fazer em suas aulas sobre Rio de Janeiro abrange o bairro de Santa Cruz e mais alguns bairros. Você pode falar um pouco sobre este trajeto?

TCS: Em São Cristóvão há uma riqueza (não estou dizendo que os outros bairros não tem: todos têm). Há o domínio jesuíta, no período colonial. Qual a questão de São Cristóvão? o caminho real, o caminho dos jesuítas. Passa o Brasil colônia, o período joanino, onde reforma a Cidade Nova, Canal do Mangue, toda essa área. Então, se tem uma mudança a partir do que vai ser a Cancela, o caminho dos jesuítas e após a expulsão dos mesmos, passa a ser o caminho real e na República o Amaro Cavalcanti (1849 - 1922) retalha todo o caminho real e aqueles espaços, que eram a antiga Suburbana, passa a ser a Avenida Dom Helder Câmara e a Avenida Santa Cruz, em Santa Cruz, por exemplo.
Outro exemplo é a Avenida Automóvel Clube, em Caxias. Certa feita, vários alunos fizeram perguntas do tipo: "porque uma Automóvel Clube em Caxias, uma em Del Castilho e uma em Petrópolis?" e eu respondia: "Gente, é a mesma avenida". Agora, qual o sentido simbólico destas "retalhações" no período republicano? O objetivo de trabalhar esses roteiros é mostrar a vida simbólica que estes espaços foram adquirindo. Entretanto, fazer isso é dispendioso e precisa de transporte. Então, eu acho que os ex-caminhos coloniais e imperiais ainda estão vivos e presentes na nossa memória, mas porque eles foram transformados e reapropriados simbolicamente e que sentido isso passou a ter? Qual é o objetivo político e social disso? Através destes caminhos a gente tem uma facilidade de ficar em contato com a História do Rio de Janeiro, ou melhor: a História Social do Rio de Janeiro.

6 - A região que hoje corresponde ao bairro de Santa Cruz foi no passado uma propriedade da família imperial. Qual a história desse bairro?

TCS: Antes dele ser propriedade da família imperial, uma das casas de verão da família ficava em Petrópolis, onde hoje é o Museu Imperial. A família imperial tinha a Fazenda Real de Santa Cruz, que eles adoravam. A gente diz Santa Cruz hoje como bairro, mas o alcance da fazenda ia até áreas que hoje é o próprio bairro de Santa Cruz,  Itaguaí e chegava até Vassouras. Ela era muito grande. E as regiões onde hoje é Paracambi e Sepetiba também faziam parte desta fazenda. Tinha também o Engenho da rainha, que virou um bairro de mesmo nome que fica na Zona Norte carioca. Tinha também a praia de D. João VI (1767 - 1826), perto de onde hoje é o Cemitério do Caju. Havia também a casa de D. Carlota Joaquina (1775 - 1830), onde hoje é a Rua Marquês de Abrantes, no bairro do Flamengo. Então, a família real tinha várias residências. Entretanto, a preferida era a propriedade de Santa Cruz. Então, antes de ser propriedade real e é sempre bom falar isso, a propriedade pertencia aos jesuítas. Ela tinha um aldeamento próprio, a São Francisco Xavier de Itaguaí e depois foi ligado à Fazenda Real de Santa Cruz. E vale dizer que Santa Cruz foi adquirindo status, ela era uma fazenda, depois bairro desmembrado, o matadouro municipal do Rio de Janeiro passou a funcionar lá. Desta forma, Santa Cruz teve todas as características neste processo para ganhar o status de princesinha. Ela tem uma base aérea, os primeiros japoneses que chegaram ao Rio de Janeiro se estabeleceram ali, que era conhecida como Reta do Japonês e hoje é a Reta do Rio Grande.
Tem também uma questão particular minha e de minha família. A minha bisavó, quando veio para o Rio de Janeiro, na década de 1940, conviveu com os japoneses da colônia agrícola de Santa Cruz, que hoje virou conjunto habitacional. Na década de 1980 houve o boom de conjuntos habitacionais em Santa Cruz, que vão descaracterizando a marca rural da região. Santa Cruz tem toda essa importância simbólica. 

7 - No início, o morro era o lugar onde a parcela abastada da população vivia. Com o tempo a situação se inverteu: os pobres subiram o morro e os ricos desceram o morro. Por que isso aconteceu?

TCS: Muito simples. O que era o Rio de Janeiro? Morros e pântanos. Então, essa elite quando chega, ocupa as áreas enobrecidas, que eram os morros. No processo de ocupação da cidade, o Rio de Janeiro aterra as suas lagoas e pântanos e desta forma essa população começa a descer. E o morro vai ficar para a população de baixa renda. E quando se aterra e coloca a Alfândega, os serviços públicos e administrativos, esta população começa a descer e acessar tais serviços. É válido falar que o Rio de Janeiro é a única cidade que destruiu seu sítio arqueológico. Estou falando do Morro do Castelo, que foi posto abaixo e teve suas terras usadas para aterrar parte da Urca, da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Jardim Botânico e outras áreas baixas ao redor da Baía de Guanabara. E depois da Reforma Pereira Passos, os morros vão passar a ser vistos como um problema social por conta das habitações precárias existentes nos mesmos. No momento em que esta cidade é dominada, aterrada e submetida ao domínio do colonizador, essa elite vai descer.

8 - Você pode contar a história do Morro do São Carlos? Me lembro de você ter dito que no passado ele era uma grande fazenda.

TCS: Sim, chegou a ser fazenda no século XIX e tudo mais. Porém, o que acontece: com o desmembramento, ele passa a ser loteado e ele é um dos morros a ser primeiramente ocupado, não que não tivesse sido ocupado antes, mas a leva de ocupação dele surge com a Reforma Pereira Passos. No início do século XX, ele passa a ser majoritariamente habitado. Lembrando que ele ficava próximo à Pequena África, que hoje é a Praça Onze, que era reduto dos ex-escravos que vinham do Vale do Paraíba, mas também da Mineira e a gente tem uma parte do Morro do São Carlos que se chama Mineira, uma alusão aos migrantes mineiros. Você tem também uma parte colada à Mineira, a São José Operário, que tem esse nome por conta do fato de as primeiras casas a serem construídas eram dos operários e funcionários que ajudaram a construir o Presídio Frei Caneca que existiu na região. Então, o Morro do São Carlos tem esses espaços. Alguns o chamam de complexo, mas eu, antropologicamente falando, não gosto de trabalhar com o termo complexo. Isso porque o complexo passa a ideia de que tudo é homogêneo, quando não é. Se tem as particularidades nestes espaços. Destaque também para Portugal Pequeno, que passa a ser procurado por imigrantes portugueses e é sempre bom falar que a ocupação começa nas escadarias do morro, que são centenárias.
Destaque também para o Querosene, que tem esse nome por conta de uma fábrica de querosene que existiu na região. Então, o Morro do São Carlos tem todas estas particularidades. E isso sem contar com a área da Irmandade, que atravessa a Mineira, que era uma área contestada entre a Light e o Cemitério São Francisco de Paula, que hoje é tomado de pessoas. E não tem como deixar de falar na primeira escola de samba que surge aqui em 1928, a Deixa Falar

9 - Já ouvi de algumas pessoas, inclusive de você, que, mesmo tendo por perto a sede da prefeitura, o Morro do São Carlos é esquecido pelo poder público e também praticamente não há muitas ações sociais no mesmo. Qual a explicação para este fato?

TCS: Até existem algumas ações sociais, mas não são visibilizadas porque tem todo um histórico social que contribui para isso. Algumas favelas do Rio de Janeiro costumam ter várias ações sociais em seus territórios, o que não é bem o caso do Morro do São Carlos. 

10 - Esta pergunta está relacionada a anterior. O Morro da Providência, que fica de frente para o Morro do São Carlos, tem em seu espaço muitas ações sociais e por vezes é visitado por artistas como Madonna. O que faz o Morro da Providência ter esse perfil?

TCS: É porque o Morro da Providência é a primeira favela da cidade do Rio de Janeiro. Era chamado de Morro da Favela, onde os combatentes da Guerra de Canudos (1896 - 1897), ao voltarem do combate, começaram a ocupar o morro e a chamar o mesmo de Morro da Favela. Para quem não sabe, favela é uma planta que eles encontravam nos arredores do morro. Com o tempo, a favela passou a ser vista como um problema social. Antes haviam os cortiços, que eram palacetes abandonados pela burguesia, que alugavam os mesmos e iam para a Zona Sul. No século XX, morar de frente para o mar passou a ser símbolo de status

11 - Falando em Morro da Providência, estou me lembrando neste momento da novela Lado a Lado (2012), exibida pela Rede Globo e que conta a história da fundação do morro. Como bom noveleiro que você é e que gosta de fazer análises político-sociais a partir de novelas, o que você achou desta novela? A história do Morro da Providência foi contada de forma fidedigna?

TCS: Eu não posso dizer que foi fidedigna (risos). É uma novela e por conta disso ela não vai atender a demandas puramente criticas porque ela precisa de audiência para continuar sendo exibida. Teve algumas falhas e acertos, mas a nível cronológico e um pouco político, pode-se dizer que tentou fazer um pouco do que foi a proposta da novela. Entretanto, aquelas discussões de nível sócio-político não foram levadas a fundo, como por exemplo a questão da capoeira, que poderia ter sido abordada de forma menos estigmatizada. Teve também a questão do futebol, que eu achei interessante. Os jogadores negros, que tinham que passar pó de arroz no rosto e brilhantina nos cabelos para poderem jogar, uma vez que naquela época o futebol era um esporte de elite e os negros não tinham permissão para praticar o mesmo.
Infelizmente, vivemos em uma sociedade que não dá ênfase a leitura. Então, o povo vai aprender a História do Brasil por meio das escolas de samba e das novelas históricas. Isso é bom por um lado, mas não traz à tona essas denúncias sociais que uma novela não se propõe a fazer com profundidade. E isso não é uma crítica ao autor ou ao formato de uma novela. Não estou dizendo que não se deve aprender a história por meio de samba enredo e novelas, mas a questão é que a ênfase de você aprender a história do país por tais meios é muito pífia. 

12 - E o que você tem a dizer sobre o Complexo da Maré, que tem em seu território todo tipo de ONG (Organização Não-Governamental) e chega até a ter uma clara disputa de poder, com ONGs atuando no mesmo espaço territorial e visando os mesmos propósitos?

TCS: A Maré é uma favela que nasceu pressionando o poder público. Havia uma luta muito grande entre associação de moradores e Getúlio Vargas (1882 - 1954). Era uma luta da Maré com o Executivo e nessa luta os moradores da Maré foram percebendo que eles não poderiam se acomodar, principalmente depois do período de industrialização, quando a construção da Avenida Brasil se inicia e as ocupações nas redondezas se multiplicam; e se não se articulassem e negociassem, eles não conseguiriam várias positividades por parte do poder público naquele espaço. Então, o diálogo entre o poder público e agentes sociais tem essa linha histórica de continuidade muito grande. E ela nasce do embate pela própria sobrevivência porque caso contrário, tudo teria sido aterrado e os moradores teriam sido expulsos de lá.
A própria Nova Holanda, que seria uma favela temporária, acaba se tornando um espaço fixo de moradia e então as forças sociais presentes passam a ter uma visibilidade maior. Então, essa iniciativa, não só privada, mas também pública, precisa estar o tempo inteiro visível com aqueles atores sociais. Aqueles atores sociais são visíveis para aquele espaço ali.

13 - Uma pessoa que não conhece a cidade do Rio de Janeiro pode achar que o bairro do Recreio dos Bandeirantes é perto de bairros nobres como Ipanema e Lagoa, quando na verdade é um bairro mais distante e que fica próximo de bairros como Tanque, Anil e Freguesia; em Jacarepaguá. Por que o Recreio dos Bandeirantes é associado a bairros da Zona Sul carioca?

TCS: Porque é um bairro feito para a elite. O Recreio dos Bandeirantes, desde que ele existe, ele é associado a empreendedores paulistas que tinham capital suficiente para residir naquele bairro.  É daí que vem o nome do bairro: Recreio dos Bandeirantes, uma referência aos bandeirantes, homens que adentraram o Brasil durante o período colonial para expandir e explorar o território brasileiro, além de capturar a população indígena para usar os índios como escravos. A imobiliária organizava um pique-nique onde os futuros moradores almoçavam e este pique-nique costumava ser realizado no Portal de Sernambetiba. O Recreio dos Bandeirantes foi criado para isso: abrigar a elite.

14 - Tiago, é sempre muito enriquecedor entrevistar você. Para finalizar, peço que você deixe uma mensagem para os leitores do blog A Hora.

TCS: Leiam o blog A Hora. As entrevistas que têm ali possuem um caráter democrático e simbólico a nível de participação muito grande. Você tem atores sociais que contribuem para uma discussão crítica e necessária para se entender os problemas sociais e culturais que estão em voga. Há essa passagem de um resgate histórico onde se está sempre indo a fundo no cerne das questões sociais e das questões mais emblemáticas a serem colocadas em debates públicos. É um momento em que a gente tem que debater cada vez mais. 

15/02/2019

Direita brasileira: uma direita fascista

Militantes de esquerda pedem intervenção militar em manifestação. Imagem: Reprodução.


     Ao contrário dos movimentos políticos de direita espalhados pelo mundo, a direita brasileira é de cunho fascista. Este fato torna a mesma peculiar e ao mesmo tempo assustadora.
      Antes de dar continuidade ao assunto, convém primeiro explicar ao leitor o que é direita e o que é fascismo. O primeiro tem sua origem na Revolução Francesa (1789) e serve para classificar aquelas pessoas que defendem o Estado mínimo e são contra programas sociais. Já o fascismo é um regime político e uma filosofia que prega que os conceitos de raça e nação prevaleçam sobre valores individuais. Outra característica do fascismo é a extinção parcial ou total dos direitos de grupos historicamente marginalizados. 
     Por conta do cenário político brasileiro atual, muita gente acha que fascismo e direita são sinônimos, mas não são. Como dito no parágrafo anterior, uma característica do fascismo é a supressão de direitos de grupos historicamente marginalizados. A direita por via de regra não é assim. A Holanda é um país conhecido por ser liberal com relação a comportamento. Lá, as drogas, o aborto e o casamento gay são permitidos. Além disso, devido a uma série de medidas tomadas para ajudar a população carcerária, as prisões holandesas têm se tornado desérticas. E a Holanda não é e nunca foi um país comunista. Justin Trudeau, atual primeiro-ministro do Canadá, levanta a bandeira do feminismo, dos direitos dos LGBTs e legalizou as drogas em território canadense. Justin Trudeau nunca foi comunistae nem o Canadá tem o comunismo por regime político. Aliás, nunca teve.

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Justin Trudeau, atual primeiro-ministro do Canadá, durante parada LGBT no país. Foto: Associated Press.


     Entretanto, a direita brasileira não é como a direita de outros países do mundo. Além de serem nacionalistas ao extremo, a direita tupiniquim é contra as cotas raciais, direitos LGBTs, dsireitos das mulheres e dos povos indígenas. Se pautas como violência contra a mulher é uma pauta de esquerda, o que se pode esperar da direita brasileira? Que a mesma é a favor da violência doméstica? Por conta de tais pautas serem consideradas de esquerda, a pessoa que defende tais é chamada de esquerdista, mesmo que não tenha nenhuma afinidade com o socialismo. Existem bandeiras que independem de posicionamento político e as citadas neste parágrafo são um exemplo.
     As pautas citadas no parágrafo acima são consideradas de esquerda, mas nem sempre foi assim. No clássico Da Monarquia à República: momentos decisivos (1987), a historiadora Emília Viotti da Costa (1928 - 2017) afirma que o movimento operário que emergia no Brasil entre fins do século XIX e começo do século XX defendiam a igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas as mulheres não eram vistas assinando programas e nem participando de Programas Operários. As mulheres também não eram vistas na liderança de partidos políticos. Durante a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964 - 1985)houve grupos de resistência ao regime. Foi neste momento também que o movimento gay surgia no Brasil e no mundo. O preconceito era quase que generalizado e estava presente entre os militantes que faziam oposição ao regime então vigente. Em Cuba, um país socialista desde 1959, os homossexuais foram vítimas de preconceito, foram recusados em alguns empregos por conta da orientação sexual e teve alguns que foram parar em uma espécie de campos de concentração. E recentemente em Cuba foi tirado da nova constituição cubana um trecho que abria espaço para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. 

Conclusão

     A direta brasileira é uma direita fascista porque os direitistas são contra a projetos que visam ajudar os grupos historicamente marginalizados. No Brasil, alguns temas são considerados de esquerda quando na verdade não deveriam ser. Isso porque são questões relacionadas à dignidade humana e, por conta disso, estão acima de qualquer posicionamento político. 
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