15/03/2018

A persistente demonização de ritmos musicais não europeus

Baile funk organizado pela Furacão 2000. A empresa é uma das gigantes no ramo do funk no Brasil. Imagem: Reprodução/Vincent Rosenblatt. 

     As igrejas protestantes no Brasil em sua grande maioria são originárias do continente europeu. Desta forma, elas herdaram seus respectivos modos com relação a práticas religiosas. Entretanto, o tempo passou e a demonização de determinados ritmos musicais, fruto desta religiosidade europeia, ainda é uma realidade Brasil afora.
    Esta questão não é apenas de uma denominação, mas uma vez que estudo a história das Assembleias de Deus no Brasil, irei usar tal denominação evangélica para analisar o assunto em questão. A Assembleia de Deus foi fundada no Brasil pelos missionários europeus Daniel Berg (1884 - 1963) e Gunnar Vingren (1879 - 1933). A fim de ajudarem na consolidação da então recém-fundada igreja no Brasil, missionários vindos da Europa e também dos EUA pastorearam e auxiliaram muitas igrejas no Brasil. Logo, não é difícil chegar a conclusão de que a Assembleia de Deus foi fundada no Brasil por europeus e a partir de uma ótica europeia.
     É no mínimo uma atitude ignorante culpabilizar a Igreja pela demonização de ritmos musicais como funk, pagode ou rock por exemplo, classificando tais ritmos como "mundanos". A Igreja está inserida na sociedade e, por conta disso, reproduz algumas práticas e preconceitos da mesma. A escravidão acabou, mas o racismo ainda é uma das estruturas da sociedade brasileira. Por conta disso, tudo que é de origem negra, é criminalizado, como por exemplo o samba e o funk. A Igreja reproduz tal mentalidade e condena tais ritmos musicais, classificando os mesmos como "mundanos" e até mesmo "demoníacos". Já com relação ao rock, ritmo também inventado pelos negros, a situação não é muito diferente. Tendo seu auge entre os anos 1950 e 1960, os roqueiros escandalizaram a sociedade ao usarem cabelos longos, roupas chocantes e terem hábitos não muito convencionais e que não agradaram a maioria da sociedade. A ala conservadora da igreja em sua maioria condenou os hábitos dos roqueiros. E vale citar a Assembleia de Deus neste contexto. Se na atualidade, ela ainda se mostra uma igreja conservadora, entre os anos 1950 e 1960 este conservadorismo era ainda mais latente. E em uma denominação cujos membros não podiam (alguns ainda não podem) usar pendentes, mulheres não podiam usar "roupa de homem", homens não podiam usar "roupa de mulher", homens também não podiam ter cabelos longos e mulheres não podiam ter cabelos curtos; não era de surpreender que os roqueiros não ganhassem a simpatia da Assembleia de Deus.

Imagem: Reprodução.

     A conversão a Jesus Cristo reflete em uma mudança de vida, mas não necessariamente em uma mudança de práticas culturais. Se determinada prática cultural não incita o ódio, a violência ou que foge dos princípios bíblicos, não há razão para a mesma ser condenada. Em algumas regiões do continente africano, os dízimos costumam ser frutas, verduras e até mesmo animais. Além disso, nestas mesmas regiões, os ritmos e as músicas costumam ser mais dançantes e é desta formam que eles cultuam a Deus. Pelo fato destes povos adorarem a Deus de tal forma, eles vão para o inferno por conta disso? E o que dizer dos homens escoceses que costumam usar saias? Acho que se alguns assembleianos tradicionais verem tal coisa, vão dizer que os mesmos têm o "espírito de homossexualismo". E isso sem contar com os hábitos de alguns cristãos europeus de ingerirem bebida alcoólica. Eles fazem isso porque em algumas regiões da Europa o clima é muito frio e a solução que eles encontraram foi consumir bebida alcoólica.
     A graça de Deus é multiforme. E ela alcança os cristãos das mais diferentes línguas, países e culturas. Nas bodas do cordeiro, haverá cristãos que vieram do Brasil, do México, dos EUA, da Rússia, da Escócia, da Angola, de Israel, da Índia, da China e do Japão por exemplo. Um mesmo Deus consegue se manifestar de forma diferente em cada pessoa e isso é incrível.
     Antes de  continuar com o texto, é preciso explicar ao leitor o que é graça, mais especificamente a graça divina. Graça significa favor imerecido, aquilo que nos é dado gratuitamente sem esperar nada em troca e muito menos sem levar em conta o fato de nós merecemos ou não. A raça humana vive em seus pecados e por conta disso, a mesma deveria ser condenada. Mas Deus, em Seu infinito amor e misericórdia, mandou Jesus à terra para morrer pela humanidade. Além disso, é importante citar que não é somente ritmos musicais como funk, rock e pagode que são vistos como "mundanos". Qualquer ritmo dançante é visto desta forma pelos cristãos mais conservadores. Vamos raciocinar um pouco. Se na presença de Deus a tristeza salta de alegria (Jó 41: 22), se no porvir não haverá choro e se os cristãos experimentam uma felicidade sem igual que independe de circunstâncias, por que então louvar ao Senhor da maneira mais mórbida possível? É por todas estas razões que a adoração ao Senhor deve ser com alegria e prazer.

Fernanda Brum em sessão de fotos para o álbum Som da Minha Vida (2017), seu último lançamento. Imagem: Reprodução.

     Nos últimos tempos, Fernanda Brum tem sido severamente atacada nas redes sociais. Os ataques têm sido tão cruéis que ela se afastou por tempo indeterminado das redes sociais. As mesmas estão sendo atualizadas por sua assessoria, que se limita a divulgar a agenda e os eventos que a igreja que Fernanda pastoreia realizam. E tudo isso porque há um tempo atrás ela disse em um evento ao ar livre que os cristãos entrariam no céu de acordo com suas etnias e, por conta disso, os cristãos brasileiros entrariam no céu sambando. A declaração de Fernanda Brum não a agradou a muitos cristãos, pois estes acham que o samba é um ritmo "mundano", "sem santidade" e "carnal". Eles não entendem tudo o que foi dito até aqui com relação ao assunto. Além disso, eles se esquecem de que tradição é assim: hoje é, mas com o tempo deixa de ser. Práticas que hoje são consideradas normais, como por exemplo grupos de coreografia nas igrejas, grupos de teatro nas igrejas, uso da bateria, da guitarra, do baixo e instrumentos de percussão já foram no passado alvo de muitas críticas, pois tais eram vistos como "mundanos". Além disso, na minha opinião, a Fernanda Brum está sendo usada como bode expiatório. Isso porque há no meio cristão questões muito mais sérias e delicadas que precisam ser resolvidas urgentemente. Não vi toda essa repercussão quando a Igreja Universal foi condenada a indenizar um portador do HIV que foi induzido pela igreja a interromper o tratamento e a deixar de  usar preservativos (a esposa dele acabou contraindo o vírus), quando a Igreja Universal foi condenada a indenizar uma fiel que doou tudo o que tinha para a igreja na promessa de que receberia tudo em dobro ou quando cantores gospel cobram um cachê astronômico para cantar em um evento.

Conclusão

     A demonização de ritmos musicais não oriundos da Europa pode ser explicada em parte pelo fato de muitas denominações cristãs virem de lá. Além disso, qualquer ritmo dançante é visto como "mundano". Adotar determinados ritmos musicais e excluir outros não é sinônimo de santidade. A graça divina é multiforme e já alcançou (e vai alcançar mais) pessoas das mais diversas culturas. Não se prendam a tradições porque estas tendem a se perder com o tempo, mas fiquem firmes na palavra de Deus porque o céu passa e a terra também, mas a palavra de Deus permanece. 

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